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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Três dias de Folga

O sol estava a pino. Laura suava. Perfumes, cremes, toalhinhas íntimas. Preparada para ser cheirada, melada, escarafunchada. Tinham o direito sobre seu corpo por algum tempo; pagavam por isso. Tentava por limites, mas na hora, era a força física que decidia. A cidade era pequena. Desemprego: as mulheres vendiam seu corpo. Conta de luz, marido bêbado sem ação, criança chorando, a rua era o recurso. Sabia que já não era tão nova, mas era bonita. Os seios fartos, mas um pouco caídos, já o bumbum agradava. Os clientes, maioria casados, exigiam horários flexíveis. A hora do almoço era o predileto. Eram rápidos feito coelhos e Laura: indiferença. Os homens a punham de quatro, colocavam o pau, entravam um pouco, movimentavam-se e gozavam. Gostava quando eram assim. Logo estava em casa, de pijama, vendo TV. Dona de casa, sem lembrança do ocorrido. Às vezes, antes pediam para chupar. Laura chupava, já tinha se acostumado com o cheiro, a textura. Nesses casos, dava uma boa chupada e na penetração gozavam mais rápido. Outros queriam sem camisinha, pedia por eles, pela mulher. Convencia-os. Trouxe à cena naquele quarto de motel, que era uma puta. Naquele momento, vislumbrava por um fio de tempo os riscos que corria.
Depois que começou a trabalhar no ramo, conheceu os homens. E quanto mais os conheciam, mais preferia a novela das oito, a cervejinha com as amigas. Eles falavam das esposas, que não queriam mais sexo, que não chupavam, que não faziam anal. Não viam prazer nos seus olhos. Preferiam um cartão de crédito a se deitar com o marido. Se soubessem, que ela preferia à novela das oito a estar com eles. Mas gemia, fingia desejo. Os homens gostam de sexo, mas não sabem fazê-lo. Talvez, por isso, as suas esposas preferiam o passeio ao shopping a aqueles homens em cima delas. Ela fechava os olhos e imaginava as paisagens belas, que viu uma vez quando foi para Minas. Foi sua única viagem. O sol, as montanhas, o verde, a chuva que caia e a paz que sentiu. Eles se mexiam, à vezes, mexiam ela, mas ela já estava em outro lugar. Uns queriam chupá-la, daí ela aproveitava, abria as pernas e sentia prazer, deixava que lambesse as suas partes, que lambesse o seu cú, era a sua vez. Já gozou algumas vezes. Meninos de vinte anos adoram mulheres mais velhas, querem descobrir o prazer. Os seus paus eram duros, não como os moles que tinha que agüentar. Eram latejantes, quentes. Laura se esbaldava. Também era filha de Deus. Chupava com gosto, dava com tesão. Esses clientes a procuravam algumas vezes, depois desapreciam. Restavam os casados, paus moles, barrigas salientes e, o mais importante, rápidos. Depois de gozarem, era tudo num relâmpago, nem conseguia pensar. Nem parecia que havia sido penetrada, chacoalhada. Estava zonza ainda. Pagamento, banho rápido para não ter vestígio de sexo, palavras miúdas, fechar de zípares, Prontos, seguiam. Diziam que ela era gostosa e que a procurariam outras vezes. Às vezes acontecia, outras não. Nunca pegou casos muito esdrúxulos, mas pediam para lamber as suas bolas, enfiar o dedo no cú deles. Dão o cú de uma vez! Fora isso, tudo comum. Alguns filmavam, sem o rosto naturalmente. Sua bunda deve estar na rede, por aí.
Mas voltemos ao programa daquela tarde. Estava trabalhando muito ultimamente. Não sabia dizer o porquê, o ritmo era frenético. Para não ter que pensar que era puta, que os familiares podiam ficar sabendo. Pensava na mãe. Já não pertencia aos homens de bem. Então, trabalhava mais, ganhava dinheiro, acumulava, ia comprar uma TV nova. A copa estava chegando. Mas, quantos programas custaram aquela TV. Começou o ritualuma hora antes: tomou banho, depilou-se, perfumou-se, lingerie vermelha. Colocou uma calça colante, naquela hora não podia colocar vestidos ou mini-saias. Salto alto. Batom vermelho, rimel, blush. Cabelos soltos, longos, alguns gostavam de puxar. Sem carro, estava cansada, os olhos fundos, tinha emagrecido. Combinou numa praça discreta no centro da cidade, onde os casais namoravam a noite. Já havia percebido que o moço não tinha dinheiro. Negociou o preço, avisou que ia de moto. Bem, pagando era o que importava. Esse foi um cliente especialmente estranho. O programa deve ter durado umas três horas. Num quarto, nua, exposta, fechada, com um homem: fazia o que eles queriam. Essa era lei: sem escândalos, então, sem violência. Se queriam comer o cú por vinte minutos, só podia agüentava.
Desanimada, percorreu de salto o trajeto da sua casa ao ponto combinado. O percurso não era longo. Equilibrando-se no salto, contendo o suor, chegou ao combinado. O moço já a esperava. Bom sinal: sem bolo, sem espera. Era bonito. Pouco falou, quase nada. Deu o capacete a ela e partiram. Chegou a um motel barato. Era bonita ainda, educada, os homens a levavam a bons lugares. Mas, ali cheiro de naftalina. Era na região da zona da cidade. Nunca tinha trabalhado naquela região. Ficou receosa, doença, lençol sujo. O moço tirou a roupa logo. Achou que estava acostumado a programas. Perguntou se ela chupava. Falou que sim. Foi ao banheiro lavou o pau. Melhor. O pau era meio mole, mas chupou por muitos minutos. Falava: “coloca tudo, lambe a cabeça, mais rápida sua puta”. Já estava com dor na boca. Quando deu um basta. Ficou de quatro, disse: “vem quero te sentir”. Ele pegou a câmera, filmou tudo. Abriu sua bunda, deu tapas nela. Colocou o pau dentro dela. Aguentou firme. Acho que ficou ali uns quinze minutos, metendo. Dar o cú por quinze minutos, é como levar uma surra, dessas que o marido dava às vezes. Tonta. Agora de frente. “Vai puta”. “Chupa mais”. “Vai puta”. Gozou na minha bunda. Uma porra abundante. Deitou-se. Ofereceu uma toalha para ela se limpar. Dormiu. Ela nem sentia o corpo.
Mas acordou. Nossa como acordou. Começou tudo de novo. Laura achou que fosse desmaiar. Dessa vez gozou mais rápido. Acabou. Foi tomar banho, de lá mesmo perguntou um pouco sobre ela. Falou da namorada. Mas nem ouviu direito. Juntou forças, levantou-se. Olhou no espelho e viu outra pessoa. Não era ela ali. Não podia ser. Pálida, esquálida, olhos fundos, amarelos, expressão de exaustão, ossos saltando dos ombros. Colocou a roupa correndo. Aquilo era horrível. Fez um rabo de cavalo, para aumentar o rosto, passou um blush para dar cor. Olhou-se novamente no espelho e vagamente se reconheceu. Lembrou-se como era bonita aos quinze anos. O moço saiu do banheiro, colocou a roupa. E assim como veio, foi. Sem palavra. A deixou no mesmo lugar que pegou. Desceu da moto trôpega. Ele percebeu. Ali ele demonstrou certa humanidade. Perguntou se ela estava bem? Afirmou que sim. Mas foi só isso. Partiu sem mais palavras. Caminhou de volta, o sol deixando o céu para a lua. Não sabia quanto tempo havia passado. Chegou em casa. Como sustentava a casa, ninguém se metia com ela. Tomou banho. Vestiu um pijama. Começou a ver novela. Aquela tarde a perturbou. Mas sabia da sua condição. Não podia pensar. Não podia sofrer. O tempo não dá trégua para choros, lamentações. E já era outra pessoa, quase nada a comovia. Mas era preciso tomar uma atitude. Pensou por alguns minutos, boca apertada, testa franzida. Fez os cálculos das possibilidades, das limitações que a vida lhe impunha. Então, decidiu-se: três dias de folga com mocotó e repouso.

Um comentário:

  1. Um bom conto talvez mais para uma crônica do cotidiano de uma moça pobre. Palavras muito realistas, algumas um pouco chulas, lembrando um pouco o Nelson Rodrigues. Tem uma verve para escritora.

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