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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A porta giratória do banco

Quem já não teve raiva, ódio, da maldita porta giratória do banco. Serve para detectar metais, para impedir que uma arma entre no banco. Enfim, um instrumento de controle da criminalidade. Mas, às vezes, penso que é também um detector de classes, um instrumento de estratificação social. Muitas vezes passo com celular, chaves, relógio, guarda-chuva. E nada. Não apita, não trava. Outras, só falta eu me despir que a porta continua travando. O guarda manda voltar. Por fim, você se enfurece e coloca sua bolsa inteira naquela maldita caixinha transparente, onde o guarda averigua os nossos metais. Tira o relógio, taca o celular, moedas. Puta da vida. Entra e depois pega tudo de novo, se recompõe, fula, roxa de raiva. Pois bem, essa história é verídica, mas infelizmente não tive o prazer de presenciar. Soube por um terceiro, mas uma pessoa confiável. Reproduzirei o seu relato. Lógico, cada vez que se relata um fato, ele se altera um pouco, ele é filtrado, reinterpretado. Mas, não interessa, o que é importa são os fatos centrais. Os detalhes são adornos. O meu conhecido, que relatou o acontecido, foi ao banco. Naquele dia a porta giratória estava impossível. Hora do almoço, perto do pagamento. Guardas alertas. Nessas circunstâncias, meu conhecido parou diante da porta giratória, esperando uma mulher de meia idade, despejar os seus pertences na caixinha transparente, para o guarda averiguar os metais “perigosos”. A mulher era baixinha, cabelo tingido de louro bem claro, blusinha de alcinha lilás a mostrar os seios. Tudo indicava simplicidade, estilo popular. Pois bem, a bolsa dela não cabia na caixinha. Então, confusão. O que fazer??? Teria que abrir a bolsa. Mostrar ao guarda o que continha na bolsa. O guarda saiu do lado de fora. A mulher se encontrava impassível. Disposta a ajudar, a entrar de vez no banco. Abriu a bolsa o guarda viu. Humilhação, exposição. Mas enfim, eram as regras. A sociedade tinha que manter a ordem, conter a violência. O guarda viu tudo. Com cara de maroto, perguntou o que era aquela caixinha de metal. Obviamente ele sabia o que era. Todos ali sabiam. Era a marmita da mulher. O seu almoço. Precisava entrar no banco, esquentar a marmita e voltar ao trabalho. Mas o guarda firme exigiu que ela abrisse o conteúdo daquela caixinha. Como assim??? O rosto da mulher transformou-se. Os olhos arregalaram-se. Por fim, parou um pouco. E com uma feição também marota, abriu a marmita. Mostrou ali, aos olhos de todos o seu arroz, feijão e ovo no saguão de um banco. Mas para espanto de todos, a mulher não era tão passiva assim. Quando o guarda colocou o focinho para averiguar o conteúdo da marmita, a mulher jogou a sua comida na cara do guarda. Todos atônitos. Mas passado alguns segundos, quando todos perceberam o que se passou. Os clientes no saguão riram, apoiaram a senhora. Basta dessa porta giratória, desse guarda petulante. Os funcionários do banco apavorados. Desordem. O guarda exigia respeito, na verdade era um segurança terceirizado. Não podia exigir muito. Certamente, a sua empresa terceirizada não iria gostar do acontecido. O gerente do banco foi chamado. Percebeu o ridículo da situação e que a atitude do segurança tinha sido desmedida, para não dizer perversa. A mulher entrou no banco. Naquele dia não almoçou. Mas sentia-se bem, empoderada. Teve por fim o seu dia de fúria. O guarda, envergonhado, lavou o rosto, limpou a roupa. E como era terceirizado, trabalhador precário, voltou ao posto. Sem graça, que dava dó.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Da tristeza

“Sou dos que menos sentem essa disposição de espírito; não a aprecio, embora de modo geral, e preconceituosamente os homens a respeitem e estimem. Com ela enfeitam a sabedoria, a virtude, a consciência, mas o adorno é pobre e feio.” Montaigne (Da tristeza)

Ouso escrever com o mesmo título de Montaigne um escrito sobre a tristeza. O ensaio do Montaigne é universal, atravessou os séculos. Mas a vontade de falar da tristeza veio, talvez para abatê-la de vez de mim. Portanto, sem a maestria de um Montaigne, aí vai minhas reflexões sobre a tristeza.
Às vezes cultivamos a tristeza, aliás, quase sempre. Demoramos a perceber que quanto mais nos deixamos levar por ela, mas ela nos domina; circula com suas toxinas no nosso sistema circulatório. É uma figura corporal. Se expressa no rosto, na postura, na voz, em toda a face tensa. Faz cair os ombros, nos torna deselegantes. Perdemos o brilho dos olhos, a curiosidade pela vida, nos desinteressamos pelo mundo. Ela é maléfica para quem tem e para os que vivem ao redor da pessoa que irradia a tristeza. Nada mais gostoso de se ver que um sorriso aberto. Faz bem a todos que estão em volta, faz bem a quem dá e a todos que o recebem. A tristeza nos faz indolentes, passivos, nos vitimamos. Amaldiçou-se o mundo, as pessoas, as circunstâncias. O triste é um peso. Ele não constrói, destrói. Não experimenta a vivacidade, não faz o mundo girar. A tristeza é refúgio dos fracos. Todos nós temos nossas mazelas, nossas dores. Mas a dor verdadeira é silenciosa, é sagrada. Deve ser respeitada e não exposta ao mundo. Sou contra a tristeza patológica que se alonga por meses a fio. Uma tristeza de alguns dias é razoável. Mas a tristeza que se alonga indefinidamente é ruim para quem sente e para quem está envolta. Ela é semelhante à maldade (isso é idéia do Montaigne), pois é nociva e insensata. A vida já é dura: quem chora, lamenta, não ajuda muito. Há um mundo por fazer. Há crianças na rua, há gente que tem fome, há violência, há violação dos direitos sociais. E quem cultiva narcisicamente a tristeza não ajuda. Há uma conclusão que cheguei: que existe uma decisão na vida, a mais importante e central. É preciso decidir pela vida ou pela morte. Quem decide morrer é um egoísta, mas que vá de vez. Agora, para os que ficam: sorriso aberto, olhos atentos, alma curiosa. Não é uma apologia aos fortes, ao super-homem de Nietzssche. Mas um apelo pela vida. Deve se acolher a todos que sofrem, mas deve principalmente fazer vê-los o tempo que perdem: o tempo de ser feliz.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Da beleza

Pequeno prólogo

Montaigne, filósofo francês do século XVI, escrevia ensaios de motes do cotidiano: do amor, da guerra, da mentira, da tristeza, da educação. Escolhi esse título, Da beleza, para esse pequeno escrito, porque seus ensaios tinham títulos parecidos. É uma homenagem a ele, embora esse texto não esteja a sua altura. Algum dia postarei reflexões sobre a sua obra. Vale a pena ler!!!


Joana era feia. Sabia disso. No início teve revolta. Mal disse a Deus, a genética. Teve ódio mortal das meninas bonitas. Depois se conformou. O que é uma mulher feia? Não podia cumprir seu papel social. O homem deve ter posses. Mostrar à mulher segurança. E a mulher deve ser bonita ou próxima a isso. Havia exceções. Diziam que o mundo havia mudado. Mas não para a sua cidade no interior do Paraná. Podia ser inteligente, então. Depois soube que isso se chama sublimação; mecanismo de defesa do ego. Viu num livro de um psicólogo chamado Freud. Mas percebeu que as meninas bonitas também podiam ser inteligentes. Droga. Então, como se diferenciar? Pronto: seria legal. E foi a garota que todos gostavam de estar. Pediam conselhos. Os meninos pareciam que nem a viam como mulher. Falavam com ela como se falassem com um amigo. Tornou-se assexuada. Não tinha as pretensões das paixões que lia nos livros da escola: “Amor de perdição”, “Amor de salvação”. Infeliz Camilo Castelo Branco. Era, enfim, a feia legal. Todos gostavam dela. As meninas relatavam seus enroscos afetivos, mas nunca perguntavam dos seus. Assim, caminhou os anos. Até que no terceiro colegial, ginasial, sei lá, o governo muda tanto o sistema educacional, mas não se trata disso. O seu corpo tomou forma, emagreceu, viu seus seios medianos, redondos, pontudos, uma cintura. Estranhou. As espinhas escassearam. Tirou o aparelho dentário. Os dentes finalmente uniformes e seus lábios apareceram em todo seu esplendor, carnudos, contornos definidos. Deixou os cabelos crescer. Mas não se deu conta da transformação. O pai melhorou um pouco de vida. Comprou umas roupas legais. A mãe lhe deu um estojo de maquiagem. Aderiu ao batom, o resto era demais.
Nem percebeu que os outros tomaram conhecimento. Continuou com a sua máscara social, que de tão colada, virou uma segunda natureza. Os dias passaram. Apaixonou-se. Como pôde ciente de sua condição? Nem manifestou o afeto. Já previa o desfecho. O moço era engraçado. Adorava rir.
Um dia teve um evento na escola. Neste, estava incluído a garota e o garoto da escola. Os mais populares, os que encarnavam o “espírito” da sociedade. A votação foi de classe em classe, até que competiam com as outras classes. Bem, começou a votação na sua classe. Isso sempre era constrangedor para ela. A beleza não era um assunto que lhe agradava. E essas votações eram avaliações, comparações, colocavam as pessoas em escalas de aprovação. Acho que ninguém gostava dessa situação. Começou a votação. Aluno por aluno. Começaram pelos nomes convencionais, os já esperados. Até que seu nome foi citado! Ficou vermelha, estarrecida. Era uma piada. Mas outros também votaram nela. Ninguém riu. Não caçoavam. Parecia normal que alguns votassem nela. Não havia rumores de deboche. Não ganhou a votação, mas teve votos. Como assim??? Engasgou. Ficou profundamente envergonhada, queria fugir dali. A sua feminilidade foi exposta, percebida. Nomes escolhidos, prosseguimos: matemática, redação... A aula acabou. Desceu as escadas do velho e tradicional colégio da cidade. E, então, parou e sorriu. Foi apanhada de uma leveza. Um peso foi retirado de suas costas. Era mulher e até mesmo algumas pessoas a achavam bonita. Percebeu que não precisava corresponder a estereótipos. Que podia ser mulher, do jeito que fosse. Magra, gorda, feia, bonita. Foda-se o ideal de beleza. Agora era leve, caminhava com desenvoltura. Não mais com aquele olhar baixo. E até arrumou namorados. Transou. Dispensou alguns. Foi dispensada. Então, permitiu-se ser uma mulher, original, espontânea, sorriso na cara. Amou, estudou, trabalhou. A máscara da menina legal, engraçada, ficou num passado longínquo. E, às vezes, quando se lembrava dessa menina, dava risada, em sua kitnet descolada numa grande cidade, onde cabia a diversidade.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Políticas públicas para jovens em conflito com a lei

Trata-se do resumo de um artigo que publiquei na Revista de Estudos da Violência da Unesp de Marília. O link da Revista é: www.guto.marilia.unesp.br/revistalevs/sobre.htm, procurem a Edição número cinco. Coloquei, nessa postagem, somente o resumo, se alguém se interessar, acessem todo o artigo.

A IDEOLOGIA PROTAGONISTA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JOVENS INFRATORES
ALMEIDA, Marina Stefani

RESUMO
Este texto esboça os elementos centrais de uma Política Pública (Modelo Pedagógico Contextualizado) dedicada aos adolescentes em conflito com a lei em execução em algumas unidades da Fundação CASA do estado de São Paulo. Para tanto, descreveremos o contexto atual das práticas penais e como ela se manifesta em relação aos jovens, situando essa política específica em seu campo de forças. Segue-se uma orientação teórica de que as penalidades estão em consonância com as estruturas econômicas e sociais de uma época (“economia política da pena”). O argumento central do texto é que a ideologia do Protagonismo Juvenil, sustentáculo teórico dessa política pública, constitui uma nova forma de controle social e de formação de indivíduos aptos a atuarem em uma nova conjuntura econômica e social, onde o Estado se exime de suas funções sociais e o emprego estável torna-se exceção.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes infratores; Fundação CASA; Protagonismo juvenil; Políticas públicas.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Três dias de Folga

O sol estava a pino. Laura suava. Perfumes, cremes, toalhinhas íntimas. Preparada para ser cheirada, melada, escarafunchada. Tinham o direito sobre seu corpo por algum tempo; pagavam por isso. Tentava por limites, mas na hora, era a força física que decidia. A cidade era pequena. Desemprego: as mulheres vendiam seu corpo. Conta de luz, marido bêbado sem ação, criança chorando, a rua era o recurso. Sabia que já não era tão nova, mas era bonita. Os seios fartos, mas um pouco caídos, já o bumbum agradava. Os clientes, maioria casados, exigiam horários flexíveis. A hora do almoço era o predileto. Eram rápidos feito coelhos e Laura: indiferença. Os homens a punham de quatro, colocavam o pau, entravam um pouco, movimentavam-se e gozavam. Gostava quando eram assim. Logo estava em casa, de pijama, vendo TV. Dona de casa, sem lembrança do ocorrido. Às vezes, antes pediam para chupar. Laura chupava, já tinha se acostumado com o cheiro, a textura. Nesses casos, dava uma boa chupada e na penetração gozavam mais rápido. Outros queriam sem camisinha, pedia por eles, pela mulher. Convencia-os. Trouxe à cena naquele quarto de motel, que era uma puta. Naquele momento, vislumbrava por um fio de tempo os riscos que corria.
Depois que começou a trabalhar no ramo, conheceu os homens. E quanto mais os conheciam, mais preferia a novela das oito, a cervejinha com as amigas. Eles falavam das esposas, que não queriam mais sexo, que não chupavam, que não faziam anal. Não viam prazer nos seus olhos. Preferiam um cartão de crédito a se deitar com o marido. Se soubessem, que ela preferia à novela das oito a estar com eles. Mas gemia, fingia desejo. Os homens gostam de sexo, mas não sabem fazê-lo. Talvez, por isso, as suas esposas preferiam o passeio ao shopping a aqueles homens em cima delas. Ela fechava os olhos e imaginava as paisagens belas, que viu uma vez quando foi para Minas. Foi sua única viagem. O sol, as montanhas, o verde, a chuva que caia e a paz que sentiu. Eles se mexiam, à vezes, mexiam ela, mas ela já estava em outro lugar. Uns queriam chupá-la, daí ela aproveitava, abria as pernas e sentia prazer, deixava que lambesse as suas partes, que lambesse o seu cú, era a sua vez. Já gozou algumas vezes. Meninos de vinte anos adoram mulheres mais velhas, querem descobrir o prazer. Os seus paus eram duros, não como os moles que tinha que agüentar. Eram latejantes, quentes. Laura se esbaldava. Também era filha de Deus. Chupava com gosto, dava com tesão. Esses clientes a procuravam algumas vezes, depois desapreciam. Restavam os casados, paus moles, barrigas salientes e, o mais importante, rápidos. Depois de gozarem, era tudo num relâmpago, nem conseguia pensar. Nem parecia que havia sido penetrada, chacoalhada. Estava zonza ainda. Pagamento, banho rápido para não ter vestígio de sexo, palavras miúdas, fechar de zípares, Prontos, seguiam. Diziam que ela era gostosa e que a procurariam outras vezes. Às vezes acontecia, outras não. Nunca pegou casos muito esdrúxulos, mas pediam para lamber as suas bolas, enfiar o dedo no cú deles. Dão o cú de uma vez! Fora isso, tudo comum. Alguns filmavam, sem o rosto naturalmente. Sua bunda deve estar na rede, por aí.
Mas voltemos ao programa daquela tarde. Estava trabalhando muito ultimamente. Não sabia dizer o porquê, o ritmo era frenético. Para não ter que pensar que era puta, que os familiares podiam ficar sabendo. Pensava na mãe. Já não pertencia aos homens de bem. Então, trabalhava mais, ganhava dinheiro, acumulava, ia comprar uma TV nova. A copa estava chegando. Mas, quantos programas custaram aquela TV. Começou o ritualuma hora antes: tomou banho, depilou-se, perfumou-se, lingerie vermelha. Colocou uma calça colante, naquela hora não podia colocar vestidos ou mini-saias. Salto alto. Batom vermelho, rimel, blush. Cabelos soltos, longos, alguns gostavam de puxar. Sem carro, estava cansada, os olhos fundos, tinha emagrecido. Combinou numa praça discreta no centro da cidade, onde os casais namoravam a noite. Já havia percebido que o moço não tinha dinheiro. Negociou o preço, avisou que ia de moto. Bem, pagando era o que importava. Esse foi um cliente especialmente estranho. O programa deve ter durado umas três horas. Num quarto, nua, exposta, fechada, com um homem: fazia o que eles queriam. Essa era lei: sem escândalos, então, sem violência. Se queriam comer o cú por vinte minutos, só podia agüentava.
Desanimada, percorreu de salto o trajeto da sua casa ao ponto combinado. O percurso não era longo. Equilibrando-se no salto, contendo o suor, chegou ao combinado. O moço já a esperava. Bom sinal: sem bolo, sem espera. Era bonito. Pouco falou, quase nada. Deu o capacete a ela e partiram. Chegou a um motel barato. Era bonita ainda, educada, os homens a levavam a bons lugares. Mas, ali cheiro de naftalina. Era na região da zona da cidade. Nunca tinha trabalhado naquela região. Ficou receosa, doença, lençol sujo. O moço tirou a roupa logo. Achou que estava acostumado a programas. Perguntou se ela chupava. Falou que sim. Foi ao banheiro lavou o pau. Melhor. O pau era meio mole, mas chupou por muitos minutos. Falava: “coloca tudo, lambe a cabeça, mais rápida sua puta”. Já estava com dor na boca. Quando deu um basta. Ficou de quatro, disse: “vem quero te sentir”. Ele pegou a câmera, filmou tudo. Abriu sua bunda, deu tapas nela. Colocou o pau dentro dela. Aguentou firme. Acho que ficou ali uns quinze minutos, metendo. Dar o cú por quinze minutos, é como levar uma surra, dessas que o marido dava às vezes. Tonta. Agora de frente. “Vai puta”. “Chupa mais”. “Vai puta”. Gozou na minha bunda. Uma porra abundante. Deitou-se. Ofereceu uma toalha para ela se limpar. Dormiu. Ela nem sentia o corpo.
Mas acordou. Nossa como acordou. Começou tudo de novo. Laura achou que fosse desmaiar. Dessa vez gozou mais rápido. Acabou. Foi tomar banho, de lá mesmo perguntou um pouco sobre ela. Falou da namorada. Mas nem ouviu direito. Juntou forças, levantou-se. Olhou no espelho e viu outra pessoa. Não era ela ali. Não podia ser. Pálida, esquálida, olhos fundos, amarelos, expressão de exaustão, ossos saltando dos ombros. Colocou a roupa correndo. Aquilo era horrível. Fez um rabo de cavalo, para aumentar o rosto, passou um blush para dar cor. Olhou-se novamente no espelho e vagamente se reconheceu. Lembrou-se como era bonita aos quinze anos. O moço saiu do banheiro, colocou a roupa. E assim como veio, foi. Sem palavra. A deixou no mesmo lugar que pegou. Desceu da moto trôpega. Ele percebeu. Ali ele demonstrou certa humanidade. Perguntou se ela estava bem? Afirmou que sim. Mas foi só isso. Partiu sem mais palavras. Caminhou de volta, o sol deixando o céu para a lua. Não sabia quanto tempo havia passado. Chegou em casa. Como sustentava a casa, ninguém se metia com ela. Tomou banho. Vestiu um pijama. Começou a ver novela. Aquela tarde a perturbou. Mas sabia da sua condição. Não podia pensar. Não podia sofrer. O tempo não dá trégua para choros, lamentações. E já era outra pessoa, quase nada a comovia. Mas era preciso tomar uma atitude. Pensou por alguns minutos, boca apertada, testa franzida. Fez os cálculos das possibilidades, das limitações que a vida lhe impunha. Então, decidiu-se: três dias de folga com mocotó e repouso.

Do que se trata?

Inicialmente,é preciso dizer do medo de criar um blog, de expor-se na rede mundial de computadores. Mas quem deixa a vida passar por medo, observou "a máquina do mundo" pela janela. Não. Transportarei essa janela, abrirei as portas, jogarei as chaves em um quanto qualquer.
Durkheim, sociólogo frances, pode ter sido considerado um conservador, mas o vejo como sábio, como profundo conhecedor da vida social, ele afirmava que era necessário para a reprodução social viver segundo o seu tempo. Assim, vou viver segundo meu tempo, Durkheim aprovaria; solidão é anômia social.
Superado o medo, que não passa de orgulho de ser julgado. É o momento de dizer dos temas do blog. Bem, sou socióloga, mulher, solteira aos trinta anos, leitora de literatura (sem muito método), apaixonada pelo cinema italiano, interessada por psicanálise. É de mim e de como vejo o mundo - porque só posso vê-lo pelos meus olhos, seria interessante ver pelos olhos da minha mãe, por exemplo, tanta coisa se esclareceria - que se trata o blog. Portanto, aparecerão nessas telas: temas sociais; crônicas do cotidiano dessa gente que experimenta diarimente o sofrimento social; temas femininos; sexo; amor; solidão; velhice; perdão; familia; o medo de escolher que nos paralisa; às vezes tudo isso junto. É também um trabalho terapêutico. Ao criar fujo das minhas mazelas cotianas. A gente só descansa, quando sai de si. E, assim, sou sonho, sou outras pessoas, invento histórias, relato o modo como vejo o mundo por meio dos olhos dos outros. Poderei, finalmente, ser lúdica e leve de novo, como uma criança. Tudo não passa de literatura de uma leiga.