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quinta-feira, 7 de abril de 2011

A mulher que não dormia

Karen desde que se lembra gente nunca gostou de dormir. Chorava ao primeiro sinal da noite. Mas era necessário dormir, apanhava, a mãe apagava a luz, engolia o choro, e de olhinhos abertos via a escuridão da noite. Eis que não se lembrava mais, era dia. Com o tempo esse sentimento foi se agravando. Ao dormir tinha pesadelos, esqueletos, seres feios. A noite chegava e ela chorava. Passou a dormir com a mãe. Melhorou. A noite ficou mais quente, reconfortante. Mocinha, passou a dormir sozinha. Alguma coisa aconteceu entre as paredes da casa. Coisa de boca pequena. Não se fala no assunto. Aconteceu. O que fazer? Abafar. E Karen passou a ter pavor da noite, trancava a porta, chorava, tinha medo da porta se abrir. Karen não sabe quantas noites deixou de dormir, quantas noites esperou o sol nascer. E aliviada, quando se punha o sol, dormia. O que se faz a noite, às vezes, não se faz de dia. E a vinda do dia, trazia o sono de Karen.
A configuração da família mudou, ela foi para a faculdade e pôde dormir, ali dormiu, dormiu sozinha, dormiu com as amigas, com alguns rapazes. Descobriu como é bom dormir.
Mas tanta coisa passou. Dizem que a vida é cíclica, ela não é linear e não existe evolucionismo no mundo que mude o funcionamento do nosso inconsciente. Já madura, assombrada por outros problemas, constrangimentos, contas, emprego, traições, decepções, palavras duras ditas com voz doce... Karen passou a ter pesadelos. Todos os dias vinham à tona uma mistura de acontecimentos, de personagens distantes, de sentimentos dispersos no tempo. Era como se a caixa de pandora fosse aberta. Todos os acontecimentos desde pequenina passavam nos seus pesadelos. Sombras, homens, mulheres, cobranças, decepções. Acordava exausta sobressaltada. Todos os detalhes eram repassados nos seus pesadelos, dia a dia, um por um. Mas Karen dormia e dormia ainda mais, pois achava que depois que os seus pesadelos trouxessem à luz toda a escuridão das noites que viveu, talvez pudesse voltar a sonhar.